Edifício Náutico
O Edifício Náutico vem no seguimento do desafio lançado pela Câmara Municipal de Cascais para requalificar o antigo esqueleto à entrada da vila, conhecido como antigo Hotel Nau.
O Edifício Náutico cria uma nova figura à entrada de Cascais, um discurso com a vila, transformando a herança deste quarteirão e arredores e privilegia a qualidade do espaço público. É necessário perceber este espaço como acréscimo da vivência urbana e não como um resíduo marginalizado ao longo dos anos.
O Edifício Náutico, na sua implantação, liberta-se dos limites do lote e edifícios confinantes. Os afastamentos ao limite do lote desenham uma posição de domínio em relação ao resto do quarteirão e permitem uma abertura do piso térreo e pensar no edifício como cidade: desenhar uma praça, melhorar a acessibilidade e permitir uma dinâmica a quem passa. O edifício e a sua linguagem ditam a nova identidade do quarteirão, respeitando os edifícios confinantes, recorrendo ao vidro, à madeira, à cerâmica e à chapa metálica.
O piso térreo é uma praça ponteada com pórticos que resultam de uma reinterpretação das arcadas que marcam a urbe cascalense. O movimento expresso nas linhas destes pórticos, semelhante ao ondular do mar, ganha uma vida diferente consoante a hora e a iluminação ao longo do dia, permitindo que esta praça tenha múltiplas facetas. A materialidade deste piso é o vidro que expressa a vivência no piso térreo, permitindo a extensão do olhar. A implantação possibilita ao visitante diluir-se no espaço público, estar num edifício mas não “fechado nele”. Esta sensação que procuramos no piso térreo privilegia a envolvente como referência: estar “dentro” e ver a Estação Ferroviária ou o largo da Estação, saber que a sul está o mar, a sudoeste a Cidadela.
O Edifício Náutico desenha um pátio interior entre as lojas, que permite criar o acesso às fracções de habitação. Neste pátio desenhamos uns canteiros que ponteiam as entradas para a habitação e criam um efeito introspectivo. Na verdade, como o lote já não apresenta qualquer área permeável, propomos a criação deste material vegetal que privilegia a qualidade da vivência neste quarteirão – seja no comércio, serviço, habitação ou como transeunte. Estes jardins serão tratados com plantas autóctones.
A distribuição dos apartamentos nas torres segue um exercício modular e racional que tem em conta o programa pedido pelo cliente e as medidas das torres no lote. A estratégia foi desenhar um núcleo central com zonas comuns, e à volta desse núcleo criar um anel de infra-estruturas onde se encaixam as instalações sanitárias e cozinhas. Esta opção permite libertar a faixa próxima da fachada das torres e os seu cantos para espaços como sala e quartos.
As persianas em módulos cerâmicos permitem o sombreamento do interior das habitações e ritmo da fachada garantindo uma aparência mutante ao edifício que, conforme o uso que os habitantes lhe derem (abertas, fechadas ou semiabertas), cria suaves efeitos ópticos de transparência e opacidade que também se alteram consoante o ponto de observação e as alterações da luz ao longo do dia.
A pele do Edifício é uma releitura de outra parte importante do património português, desenhando portadas em cerâmica que definem a privacidade e proporcionam protecção contra o calor/luz. Todo a pele do edifício possui no total 29.104 peças cerâmicas, distribuídas em 856 portadas (fixas e pivotantes) com 4 metros de altura cada.
A cor azul é escolhida pela importância histórica que esta tem para a cerâmica portuguesa. No fim do século XVII, por influência da azulejaria holandesa e da porcelana chinesa de importação, introduziu-se na cerâmica portuguesa o azul. Esta cor permitiu criar pinturas dinâmicas, com formas em movimento e evidenciou o valor do traço. Para além disso, foi a partir deste momento que a produção portuguesa aumentou exponencialmente e apareceram grandes mestres da azulejaria nacional, como António de Oliveira Bernardes e Manuel dos Santos. Mais tarde, no século XIX e com a ida da família real portuguesa para o Brasil, houve um desenvolvimento da cerâmica neste país e uma enorme tendência para a utilização do azulejo no revestimento total das fachadas dos edifícios. Este material permitia que os interiores fossem mais frescos e era impermeável às fortes chuvas tropicais. Os migrantes, de volta a Portugal, trouxeram a estima pelos edifícios revestidos completamente a azulejos, adaptando os recursos industriais à sua produção. O uso da cerâmica nos edifícios é assim marcante para a arquitectura portuguesa, principalmente no período romântico.
Além disso, o Edifício Náutico é um percursor de espaço público, situando-se em linha com o mar, pelo que deverá fazer jus à sua localização. A sua personalidade está muito ligada à sua localização junto ao mar, transformando a linguagem náutica numa linguagem arquitectónica, que se reflecte nas formas, materiais e cores.
Guiado pela tradição e vocação marítima de Cascais, o Edifício Náutico procura simultaneamente ser um marco do seu próprio tempo, tendo um desenho simples e contemporâneo. A cor azul é importante porque se relaciona directamente com o mar e valoriza a ligação cultural do edifício a Cascais, terra de reis e pescadores. Como tal propomos esta cor, de forma a evidenciar o azul do mar e a nobreza do espaço onde se insere, e a valorizar o legado histórico-cultural envolvente.
Ano
2015-2020
Localização
Cascais, Portugal
Área
10 230 sqm
Promotores
Miguel Ribeiro Ferreira, Isabel de Botton, Tim Vieira, Nuno Traguedo, Tomás Champalimaud, Felipe Farinha dos Santos
Arquitectura
Arquitectura Paisagista
Get Out, Arquitectura Paisagista
Construção
Alves Ribeiro, SA
Coordenação de Projecto
Luís Rebelo de Andrade
Construção
Alves Ribeiro, SA
Fotografia
FG + SG - Fotografia de Arquitectura